terça-feira, 12 de maio de 2009

Conversas indigestas

Não sei como são as outras sextas-feiras (excepto a do robinson crusoe), mas as minhas primam pela peculiaridade. Ou gozam de uma boa disposição contagiante (quando aperientes de um fim de semana catita), ou abriguem-se, porque vamos ser sobrevoados por um bando de búfalos voadores incontinentes. A manhã da passada sexta-feira corria lindamente, até me lembrar de fazer este telefonema:

AJF - Muito bom dia. Fala AJF. Posso falar com a D. Xiribitatatá?
Aprendiz de Xiribitatatá - Muito bom dia. Como está? Só um momento, vou chamar.
Xiribitatatá - Bom dia, Sr. AJF. Bem disposto? Posso avançar com o trabalho? Estamos com tudo pronto para começar.
AJF (a marcar desde logo território) - Pode avançar, sim. Mas eu não aceito o acréscimo de preço. Tem de ser pelo preço inicial.
Xiribitatatá - De maneira nenhuma. Não pode ser. Esta amostra está linda de morrer. Gostava que visse. Mas vamos ter muito mais trabalho. Tenho de cobrar mais 5 €/m2, conforme lhe disse. Ou então, entrego-lhe as pedras conforme as amostras que lhe mostrei ontem.
AJF (a recorrer a estratégia de ataque contida) - Desculpe lá, mas as amostras que me mostrou ontem não se apresentam a ninguém. Sinceramente, invejo-lhe a coragem.
Xiribitatatá - Pois. Mas vou ter mais trabalho e não lhe posso manter o preço.
AJF (a esgotar a lucidez) - D. Xiribitatatá, por favor acompanhe-me o raciocínio. Vocês apresentaram duas amostras com dois preços diferentes e dois acabamentos diferentes. O nosso cliente escolheu uma delas e aceitou o preço respectivo. E agora no fim do jogo é que vêm mudar as regras? O cliente não aceita e eu, no lugar dele, também não aceitava. Apenas se pretende que forneçam as pedras com o acabamento proposto, ao preço acordado.
Xiribitatatá - Sr. AJF, o preço é o último que lhe disse. Não posso fazer nada.
AJF (a conter a explosão eminente) - Mas não foram vocês que apresentaram a amostra? Não foram vocês que fizeram o preço?
Xiribitatatá - Não insista. Não posso fazer nada.
AJF (desço duas oitavas, subo uns quantos decibéis) - Vocês sinceramente têm uma lata. Eu sabia que me ia dar mal. Saltam-nos por cima e falam directamente com o cliente. Acordam o preço com ele. Acordam a amostra com ele. Ainda me tentam apanhar na curva, por causa da diferença de acabamentos. Numa altura que todos nós andamos a receber a 30, 60, 90 e às vezes 180 dias, vocês exigem pagamento a pronto. Neste caso, como têm de trabalhar a treta do acabamento da pedra depois de acabada, ainda reclamam, e conseguem, o pagamento antecipado. Agora que têm o dinheiro desse lado, têm o descaramento de ainda vir pedir mais dinheiro, porque não conseguem fazer o trabalho como deve ser? Costumam guardar a ética para ocasiões especiais?
Xiribitatatá - Lamento. Eu não vou perder dinheiro com este trabalho.
AJF (a empenhar-me para não deixar resvalar o nível da conversa) - Pois então guarde as pedras onde mais lhe convier, que eu não quero saber delas para nada. Depois confirmo-lhe como procederemos para devolverem o montante que já receberam, ou se o convertemos no resto do material ainda por entregar.
Xiribitatatá - Eu...não vou...perder dinheiro...com este trabalho.
AJF (a resistir à necessidade de esmurrar o monitor ou arremessar o telefone pela janela entreaberta) - Passe bem.

Desligo a merda do telefone. Respiro fundo e grito a plenos pulmões: "FODA-SE!". Nisto, levanto-me e deparo com os olhares inesperados da F e do J por cima do biombo. "Ficámos à tua espera. Achas que consegues vir almoçar connosco?"

Tudo isto seria superável se, entretanto, o imaculado cliente não se preparasse para aceitar a subida de preço. Amanhã, desconfio que vou ter de almoçar um sapo gigante, cru e provavelmente com as unhas por cortar, que me vai dar cabo da garganta ao engolir.

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